quinta-feira, 14 de abril de 2011

Deus te abençoe

“Deus tenha piedade de pessoas que ... [complete a frase com a atitude do seu desafeto]”.

O que a pessoa queria dizer mesmo era “Que Deus pese Sua mão nessa infeliz e arrase com ela”. A falsa piedade é algo que corrói. Que diferença faz uma pessoa dizer “eu sei que ele me traiu, que Deus cuide dele” e fingir que está tudo bem enquanto podemos ver escorrendo rancor entre dentes? Não seria, inclusive, mais saudável a pessoa dizer “eu não acredito que isso aconteceu, não sei como lidar com isso, estou com raiva, quero entender algumas coisas para tentar fazer essa raiva passar”?

Penso que a tendência é um colapso em massa. Nessa onda do politicamente correto não se pode mais nem dizer que o dia está feio que já aparece alguém questionando com frases como: “dê valor à luz do Sol, e muitos que não podem ver?” Ou “Dê graças a Deus pela chuva, e muitos que morrem de sede? Ou “Feio segundo quem?”.

E, salvo coisas ridículas que pessoas pensam, não gostar de coisas, ter raiva, ficar inconformada com certas situações são coisas naturais. E necessárias, muitas vezes. Os sentimentos, em sua maior parte, são involuntários, o que se faz com eles é que não é. A atitude é (devia ser) algo mediado pela racionalidade. Sentimentos mediados pela razão, não abafados pelo convencionalismo social.

Tão hipócrita quanto se esconder atrás dessa vingança como bola de fogo divino em forma de piedade, é fingir que não quer, uma vez que fosse, uma retratação.

domingo, 27 de março de 2011

Da Bethânia

Sim, legalmente está tudo certo a Bethânia pegar o dinheiro. Mas é ético?
Quem já tem milhões precisa mesmo de mais?
Não quer devolver à sociedade os benefícios que a fama garantida por essa mesma sociedade lhe trouxe, como fazem os mais evoluídos? Pois essa devolução tem que ser do próprio bolso, não pegando (de novo) do povo.
Mas é mesmo um povinho besta - o que se há de fazer? - esses que se locupletam.
Cansativo, banal, mesquinho, pequeno, emburrecedor.
Por que não nos levantamos, não fazemos nada?
Porque estamos no reino das banalidades, das falsas aparências, dos amigos que traem. Ainda vamos ser chamados de bravos e chatos, os que reagimos.
Estamos sob o domínio da pelegada.
Minha geração já brigou, foi presa, torturada e até morreu por causa de ideais. Olha só o que o povo pôs no poder.
Bem que Deus disse (sic): "Você vai ver só o povinho que eu vou pôr lá".
Amém!

sexta-feira, 18 de março de 2011

Tirando a Maria da cruz

Dona Maricotinha anda com problemas. Tem gente na internet que anda linchando a (na minha opinião) parte boa da família Veloso por conta de um blog beneficiado pela Lei Rouanet, autorizado a captar R$ 1,3 milhão de reais. Como brasileiro sabe ler direitinho, conhece a legislação e tudo mais, a coisa se agrava: há quem ande acusando Maria Bethânia de assaltar os cofres públicos para colocar uma página na internet.

Vamos primeiro à parte legal da coisa: Maria Bethânia foi autorizada pelo MinC a captar junto à iniciativa privada os 1,3 milhão. Quem doar, pode rebater o valor doado em até 6% (pessoa física) ou 4% (pessoa jurídica) de seu imposto de renda. Considerando que o imposto de renda é a maior maquininha de fazer dinheiro da Receita Federal, e que eu particularmente não sei em qual buraco negro ele vai parar, estou pensando em doar 6% de meu IR para o Blog da Bethânia esse ano.

Aí há quem vá dizer: mas na prática incentivo fiscal e patrocínio governamental são a mesma coisa. Não são, não. Ano passado a arrecadação federal bateu recorde: R$ 805 bilhões de reais, o que significa um aumento módico de R$ 107 bilhões com relação a 2009. Ainda assim, buracos em uma rodovia federal detonaram os amortecedores e braços de direção de meu carro, eu não tive coragem de colocar os pés num hospital público quando fiquei doente, e a Plataforma Flutuante de Humaitá (AM) - inaugurada inacabada por 40 políticos, entre eles a atual presidenta -  afundou antes mesmo de entrar em operação, por pura incompetência do governo federal. Isso pra ficar nos exemplos "feijão com arroz", pois tem coisa muito pior por aí.

Muito bem, argumentado sobre o que significa a autorização, vamos ao projeto em si:

Andrucha Waddington será o produtor dos vídeos, 365 ao todo, e dizem por aí que isso encareceria o projeto. Então, voltemos à quarta série, e vamos fazer uma continha de matemática básica: 1.300.000 / 365. O resultado será R$ 3.561,64. Vamos partir da ideia burra de que todo o valor do projeto seja para pagar apenas os vídeos. Para fazer um vídeo são necessários equipamentos, figurino, cenário, edição e etc e, lógico, o pagamento do diretor e da equipe de filmagem. Considerado isso, Maria Bethânia já poderia ser aclamada a turquinha do agreste. Acontece que ainda existe alguém que vai fazer a página da web, e não existe almoço grátis. Isso faz da Maricotinha uma matriarca turca-baiana.

Aula básica de tributação, legislação e matemática dadas, vou ao meu verdadeiro incomodo: a precipitação nacional.

O fato de ser "só um blog", parece ter incomodado grandemente a população nacional de... internautas! Curiosamente, surgiram diversos protestos levando Maria Bethânia aos Trend Topics do... twitter! Todo mundo sabe que o twitter nada mais é que uma ferramenta de microblogs. Sem contar com protestos no Facebook - aquele que levou dois de seus donos a se tornarem os mais jovens bilionários do mundo. Não fossem as coisas boas, eu odiaria a internet, pelo simples fato dela ter feito de Justin Bibier um ícone pop adolescente.

Me parece um contra senso as pessoas menosprezarem o blog da Maria Bethânia por seu preço - comprovadamente módico -, ao mesmo tempo que validam o enriquecimento precoce de um pirralho de talento duvidoso através do mesmo veículo de comunicação e interação social. Isso sem entrar sequer no mérito da pessoa envolvida: Maria Bethânia é uma das melhores interpretes da MPB, que além de um simples "estilo musical", pode ser considerado um movimento cultural, e foi por muitos anos a única ferramenta de protesto dos civilizados e pacíficos contra nossos anos de chumbo. Essa mesma MPB corre risco de morrer por inanição, graças à grande massa de aculturados que ficam por aí ouvindo Luan Santana e Chiclete com Banana, ao invés de prestar atenção às Maria Bethânias da vida.

Então, deixo meu recado aos reclamantes:

Querido internauta acéfalo, entenda: não é porque seu pai paga a internet que você usa, que ela sai de graça para todo mundo. Internet é um negócio de bilhões, é a grande vitrine de exposição de todo tipo de mercadoria - inclusive você mesmo.

My two cents.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A morte e o medo

A postagem da Dai me fêz lembrar de algo que lí hoje: falta de medo mostra-se, na verdade, ao termos coragem de sermos de verdade quem somos. Com os nosso erros, nosso passado, nossas angústias, nossas dúvidas, nossas encrencas, nossas antipatias, nosso chulé, nosso mau hálito.

Por que lembrei disso? Porque é tudo medo: medo de sermos quem somos, medo da dor, medo da morte. E sugiro termos coragem de sermos quem somos mesmo com o medo, da morte ou do que quer que seja. Não é fácil, mas também não é impossível. Difícil é passar a vida cansado tentando ser quem não é. Sendo acuado, com medo de ser descoberto.

Imaginemo-nos como os cachorros nos vêem. Eles nos percebem exatamente como somos. Cachorros não entendem as regras sociais, não lêem o resultado da camada fina de etiqueta que aprendemos a mostrar. Eles nos enxergam pelo que fazemos, sentem o cheiro do que somos por dentro, e aceitam apenas isso, esperam apenas isso de nós. Meio chato mas tão realista. Quando cachorros cheiram agressividade em nós, eles não tem nenhum jeitinho de disfarçar isso socialmente. Eles atacam. É o pragmatismo canino.

Nós também, animalmente, percebemos na verdade quem o outro é. Muitas vezes não queremos que seja, não queremos ver, fingimos e gastamos uma energia enorme fingindo não ver, mas nosso corpo sabe.

Sob minha lente (imitando a Dai - adorei a chamada ao blog, Dai), na minha experiência, cada vez que eu abro mais e mais o que me vai dentro da alma, a reação dos outros - quando são bons - é similar. Eles também se abrem.

Se não se abrem, puff!, automaticamente estão mostrando que de fato não são de confiança. Um bom jeito de filtrar o pessoal do bem.

Então com medo e tudo, convido nossos fiéis e teimosos leitores a escancarar o medo. Vamos nos identificar por aí.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Esperando a morte chegar

O ser humano é uma figuraça ímpar!
Todo mundo segue uma linha, uma ideologia, ou pelos menos tenta. Ou pelo menos passa a impressão de que sabe alguma maneira de conseguir alguma coisa, qualquer coisa, todas as coisas.
Quando vira o ano e nos preenchemos de metas e objetivos, reforçamos a ideia de que temos uma diretriz. Sabemos exatamente o que fazer para nos tornarmos melhores e mais eficientes perante os próprios seres humanos.
Isso, contextualizado com o estilo de vida de cada um, pode até parecer coerente, afinal, os tempos são outros e, se ficar o bicho pega e se correr o bicho come. Uma loucura.

Mas será que se tirarmos esse contexto frenético conseguiríamos idealizar um caminho mais humano, natural e que objetive o bem do coletivo e não apenas o de sua atual conjuntura individual?

A única e incontestável verdade é que iremos morrer. Você que lê esse texto, você vai morrer! Não fique triste, nem irritado, eu não tenho nada a ver com isso, mas você vai morrer, assim como qualquer outro. E qualquer outra maneira de enxergar a morte que não seja com naturalidade representa algum problema em encarar a realidade.
Sejamos maduros, e vamos brincar de viver. Vamos fazer filhos, não evitar filhos. Eles serão seu principal projeto, serão sua melhor jogada financeira, e aquele que oferecerá mais retorno. Não se limite em um, o filho é a sua única ligação com o futuro, seu maior feito, e o que vai deixar sua maior marca nesse mundo.
Sejamos maduros, e vamos brincar de morrer. A ciência nos faz acreditar em um prolongamento de nossas vidas, mas não somos eternos, e mesmo assim ainda fazemos questão de ignorar a única verdade incontestável sobre a vida, nossa morte.

Sob a minha lente, o velório tinha que ser como festa de 15 anos, onde se passa as fotos do falecido num telão, todos aplaudem na entrada e se emocionam na dança, a despedida.
Temos que entender que triste não é morrer, mas sim subjugar a vida, sem ser você mesmo, sem arriscar, se privando de atividades prazerosas, se privando de ter filhos, se submetendo a trabalhos infelizes, amizades superficiais e relacionamentos vazios. E essa realidade está se tornando mais comum do que panfletagem em época de eleição. Uma catástrofe.
Agindo assim, desperdiçando nossas vidas com sentimentos incompletos e sem seguir nossos instintos, não viveremos, e sim estaremos fadados a só esperar a morte chegar, sem tirar nem por.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Auto-controle e Finanças Pessoais

Será nesta quinta-feira, dia 18 de novembro, a partir das 18h30, a palestra minha e da Karina Lumena sobre auto-controle, autoliderança e finanças pessoais no INEPAD, em Ribeirão Preto.

Os lugares são limitados, e preferência é dada para quem trabalha no INEPAD. Mesmo assim, quem quiser tentar, ligue para 2111-0250, e fale com a Carla.

Um abraço em todos, e bom controle nesse final de ano!

Ana Kazan

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O Julgador

Se, no intuito de se comunicar com os outros o sujeito busca sempre a justiça, e de forma equilibrada, trata a todos com igualdade esteja onde estiver, este se torna um Julgador.
Se, obtém a sensação de não agir com preconceito, privilégios ou favores especiais, e toma decisões que devam passar pelo crivo de sua lógica atendendo aos seus parâmetros de justiça, este se torna um Julgador.
O ato de julgar vai muito além de uma expressão pejorativa, algo que evitamos fazer, algo que evitamos tornar explícito. Parece contraditório, não?

O sentimento de tratar as pessoas com igualdade se mistura com o sentimento de estar julgando esta mesma pessoa a cada segundo. Afinal de contas, a igualdade estaria fundamentada em quê? E a justiça? Acredito que tudo isso seja obra de nossas mentes acostumadas, vividas, lapidadas e até mesmo maliciosas, porque não!? Acostumadas a tirar conclusões, por fim, julgar.
Nos tornamos amadurecidos e preparados julgando, nos tornamos espertos e eficazes julgando, nos tornamos sociáveis e populares julgando.

Demorei a aceitar, mas me dei conta que me tornei um Julgador, um grande Julgador, e eu mesmo procurei por isso.
Na verdade, pra livrar o meu lado, defendo a idéia de que o ato de julgar, aquele recriminado pela Igreja, e o ato de julgar que estou falando, calcado em conhecimentos e aprendizado anteriores, deveriam receber palavras diferentes. Deveria ser: julgamento irracional X julgamento racional. Afinal de contas, se o intuito é usar de justiça e falta de preconceito ao tratar as pessoas, não pode ser tão ruim, certo?
Mas mesmo assim, ainda me bate um sentimento de poder estar fazendo a coisa errada.

Com anos e anos de prática, não poderia deixar de analisar se minha própria caixa de ferramentas julgadora esta afinada. Acho que é porque no fundo, eu me sinta mal por exercer tão plenamente esse hábito, e tento chamar de racional.
Essa grande ferramenta me deu avidez, me deu uma visão apurada das pessoas, das coisas, do sistema econômico, do meio ambiente, e até mesmo de pequenas ações. E o perigo esta exatamente aí, no momento que nos achamos capazes e preparados para escolher o livro pela capa, passa a barreira do racional.
Nós julgadores, precisamos de constante manutenção, a cada 5000 julgamentos, recebendo injeções de humildade e autocrítica, para não cairmos na besteira de achar que as coisas estão todinhas mapeadas, como o nosso julgamento racional nos ensinou.
Daí a verdadeira virtude do julgador, saber controlar seus impulsos e, constantemente revalidar seus critérios, nunca subestimando seus erros, pois, o tempo passa, as pessoas amadurecem, as coisas evoluem, e se não ficarmos atentos o tempo todo, em algum momento estaremos deixando de ser um julgador racional para nos tornarmos um julgador irracional – prepotente - e, do ponto de vista de um Julgador reflexivo compulsivo, um grandessíssimo idiota. (rs, não me veio outra palavra à mente.)

Portanto, bom dia a todos e bons Julgamentos para o resto da semana!

sábado, 25 de setembro de 2010

Titica? Ah...Tiririca

Se não bastasse o programa de indicações que virou a propaganda eleitoral GRATUITA brasileira, ainda tenho que ouvir (e quase concordar) que a propaganda política está mais engraçada que muito programa humorístico por aí. No entanto, minha concordância fica no quase, porque se o que se apresenta lá são piadas, elas são de altíssimo mau gosto.

Cantores, jogadores, modelos (oi?) falidos tentam se eleger. Baseados em que? No serviço já prestado à sociedade? Queria mesmo saber o que a mulher-pêra contribuiu... na verdade, é melhor não saber. Agnaldo Timóteo, Kiko, Leandro, Marcelinho Carioca, Ronaldo Ésper, Mulher-pêra (que nem usa o nome verdadeiro, tamanha persona assumida) e... a lista é grande.

De todos os ilustres candidatos, o que mais sobressai, sem dúvida, é o Tiririca. E é sobre ele que eu quero falar.

A Folha de São Paulo publicou uma matéria a respeito de um gibi que o humorista está distribuindo em sua campanha. Nesse gibi ele emprega todos os jargões por ele usados em seus programas/shows, para - pasmem – tirar sarro de suas próprias propostas. Claro, o “propostas” ficou por minha conta porque na verdade ele não tem proposta nenhuma a não ser tentar descobrir o que um deputado faz.

Como não podia deixar de ser, tratando-se de quem é, as piadas são de péssimo gosto. Por exemplo, em uma das páginas do tal gibi (ah! Os gibis são distribuídos preferencialmente para as crianças, para que elas peçam para os pais votar no “abestado”) ele diz que não faz discriminação, e para exemplificar há o desenho dele chamando um rapaz, pressupostamente, gay de “menino bonito”. É uma lástima. Além de não apresentar nenhuma proposta, ele ainda ridiculariza os direitos sociais, com tanto esforço alcançados e ainda não adquiridos por completo, de idosos, gays e mulheres.

Votar no piadista não é nenhum protesto. Votar nele é dizer que qualquer um pode se candidatar, dizer que não pretende fazer nada, que não sabe quais são atribuições que o cargo ao qual ele pretende se eleger exerce, e que todas os direitos que a democracia zela para ele são ótimos motivos para piadas.

E ainda querem achar ruim o comentário que o Stallone fez?

Mas claro, não sou extremista o suficiente para não concordar com nada que o Tiririca fala, por exemplo, eu concordo muitíssimo com ele quando ele se afirma ser uma “abestado”. Opa, assino embaixo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Cidadania & Accountability

O conceito de cidadania é a noção radical de que ao mesmo tempo em que pertencemos a uma cultura, a uma sociedade, a um país, temos simultaneamente direitos e deveres para com ele. Temos o direito de sermos protegidos e termos nossa propriedade salvaguardada contra destruição natural ou daquela promovida por criminosos ou invasores; temos o direito de acesso a educação, saúde e sanidade, trabalho, dignidade, e a participar das decisões que incluem nosso destino nelas. Por causa desse último particularmente é que podemos votar, e até precisaríamos participar mais em plebiscitos, consultas dos políticos com relação às leis que nos governam. Numa verdadeira democracia, os cidadãos votam em todas as instâncias em que alguma ação pública pode impactar sua vida diária. Por exemplo, o governo pensa em fazer o embelezamento (plantio de flores e árvores, pintar meio-fio, etc.) de uma grande avenida. Acontece que em volta daquela mesma avenida, no bairro ali em volta, há outros problemas que precisam de resolução. Por exemplo: o bairro precisa de mais uma escola, ou, há muitas ruas esburacadas, ou, não há linha de ônibus conectando o bairro ao centro da cidade. Numa democracia, uma vez que os gastos são feitos com o dinheiro do povo (que contribuímos compulsoriamente através dos impostos), o povo é quem tem que decidir, através de votação, plebiscito, plenário, de alguma maneira, o que é que prefere que seja feito: o embelezamento da avenida, ou o conserto dos buracos, ou a linha de ônibus. Não há dinheiro para tudo, mas há prioridades. Quem as decide é o povo. Esses são os direitos dos cidadãos.

A cidadania, entretanto, implica também em deveres. Essa parte costuma ficar um pouco esquecida aqui no Brasil, e até dá prá entender um pouco a razão. Acostumados à situação de “terra de ninguém”/ “salve-se quem puder”/ “o importante é levar vantagem em tudo, certo?” que isso aqui virou na mão de tantos e tantos políticos desonestos, que se protegem e enriquecem com o dinheiro e a propriedade pública enquanto abandonam a população que os elegeu, realmente estamos sempre pedindo e reclamando de algo que “eles” não fizeram. O “eles” (indeterminado, mas significando os poderosos, os governantes, o governo) estão sempre a fazer algo errado (em benefício próprio) ou a não fazer algo que precisa ser feito (geralmente algo que seria em benefício do povo ou do País). Não conseguimos nem imaginar o que mais que pode ser exigido de nós, os cidadãos, que já enriquecemos tanto todos os políticos, e tivemos tão pouco em retorno.

Na verdade, não estamos fazendo nosso dever. Explico. O dever, as obrigações dos cidadãos numa democracia são muitas, e são todas muito relacionadas com participar de todo e qualquer processo ou ação que impacte na nossa vida e nas dos demais habitantes, por exemplo:

1. Votar
2. Ajudar aos mais pobres
3. Ensinar algo que a gente saiba a quem não sabe
4. Proteger as pessoas que precisam de ajuda, tipo, criancinhas perdidas ou abandonadas, pessoas velhas, doentes ou fragilizadas, aqueles que se machucam no meio da rua
5. Manter a propriedade pública viável a todos. Aqui se inclui não jogar lixo na rua (nem pela janela do carro), pegar a caca de seu cachorro, não obstruir o caminho dos demais passantes (pedestres ou carros), não rabiscar as paredes das casas dos outros ou de edifícios públicos

6. Dirigir de uma maneira que respeite o direito dos demais de compartilhar com você a via pública, o que inclui andar na velocidade permitida (não muito abaixo nem muito acima), sinalizar quando for mudar de faixa ou virar, usar as faixas adequadamente (esquerda para ultrapassagem, direita para marcha mais lenta); não estacionar onde não é permitido; não dirigir alcoolizado ou sob influência de drogas para não arriscar a vida dos outros cidadãos, manter seu carro de maneira a não soltar muita fumaça que polua o pulmão das outras pessoas ou mesmo impeça a visão dos outros; não parar o carro no meio da rua para conversar com os amigos impedindo o fluxo do tráfego; etc.

7. Não gastar recursos que são de todos (tipo, esbanjar água lavando calçada, puxar eletricidade ilegalmente)

8. Inclui enfim qualquer ato ou omissão que prejudique ou atrapalhe os direitos das outras pessoas. Aquela frase sábia: “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, é um jeito simples e ao mesmo tempo profundo de exemplificar cidadania.

De qualquer maneira que se olhe, cidadania implica accountability. Accountability é uma palavra da língua inglesa, que não tem tradução exata em Português, mas que significa a obrigação de prestar contas, de ser responsável pelo que nos comprometemos ou dizemos que vamos fazer. A Wikipedia menciona “responsabilização” como um possível significado, e sugere que accountability é uma palavra que se refere a um conceito ético ligado à responsabilidade social (que todos nós temos), incluindo a obrigação de informar e explicar aquilo que fazemos na interface pública. Vou sugerir que accountability possa se aproximar de fato do significado de “responsabilidade”. Ser “accountable” então é ser responsável pelos seus atos, responder por eles.

Parece grande, não é? Parece uma tarefa imensa, muito trabalho, ser cidadão. Permitam-me sugerir um lugar para começarmos: vamos evitar largar carrinhos de compras em estacionamentos, no meio dos carros (e atrapalhando-os). Que tal se procurarmos levá-los até um canto, onde não atrapalhem a manobra de ninguém, o entrar e sair dos carros e o movimento deles nos estacionamentos da vida. Não largá-los bem na frente (ou atrás) de um outro carro. Não ligar o “dane-se” que alguém não vai conseguir manobrar com nosso carrinho bem na frente. Não. Refiro-me a ser “accountable” pelo nosso gesto completo. Ser cidadão. Pelo menos nisso. Mesmo que isso implique em andar mais um pouco. É pouco, é quase que pueril, mas pode ser uma semente de cidadania que estamos plantando. É um jeito de pensarmos como uma comunidade, como um grupo de cidadãos compartilhando espaço, direitos e deveres uns com os outros. É um pequeno passo....mas pode ser o primeiro de muitos e maiores.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ménage à trois

Algumas temáticas sempre foram problemáticas, algumas mais que as outras, é verdade, mas sempre foram. Exemplo disso é tema libido, desejo, vontade, querer o que todos querem e poucos assumem, enfim: a sexualidade.

Atualmente a coisa tem ficado mais escancarada, tenho certeza que alguém já viria me dar como exemplo o funk, mas acontece que eu não considero que virar a mulher pêra, melancia, framboesa, jaca ou carambola demonstre o avanço da mulher em algum aspecto. Diria que até pelo contrário. Assumir que temos desejo e que sim, faríamos várias coisas que as nossas avós desmaiariam se soubesse é verdade. Mas nem por isso temos que andar nuas ou com uma placa: “estou para o que der e vier” e, sobretudo a parte do ‘der’. Assumir a própria sexualidade não quer dizer, de forma alguma, que temos que esfregar nossas peripécias, ou a falta delas, na cara dos outros - digo isso de modo figurado, aliás.

Lembro-me de certa vez que estávamos em um churrasco com pais, mães, cunhados e cunhadas, crianças e amigos (que eram apenas amigos de alguns e não de todos, ou seja, para algumas pessoas elas estavam no meio de estranhos) e uma das cunhadas começou a dizer – em alto e bom tom – o que ela fazia e   fazia (porque não teve quase nada que ela não tivesse feito ou não estivesse disposta a fazer, pelo menos).

O marido da dita pedia para que ela, ao menos, falasse baixo, tinha crianças por perto (filhas de pais evangélicos, por sinal) e que ninguém era obrigado a saber a vida dela. A rainha do sexo respondia que a criança tinha que saber, cedo ou tarde elas, as crianças, iam fazer o mesmo. Todos sorriam sorrisos amarelos e fingiam que estava tudo bem, afinal não seria eles a dizer: “esse assunto não é para este momento”. Imagina? Passar por conservador, retrógrado ou frustrado sexual? De jeito algum. O fato é que se confunde liberdade com libertinagem e as pessoas não sabem o que é adequação, confundem adequação (ou educação) com hipocrisia.

Será? Não acho que você não gritar tudo o que você faz, seja hipocrisia. Em linguística é muito claro o conceito de adequação. Por exemplo, se você estiver em uma entrevista de emprego você fala de um jeito, com uma criança de outro e com seu namorado ou namorada, de outro ainda. O que quero dizer? Simplesmente que você não pode falar para seu supervisor: meu tchutchutchu, como você está fofinho hoje com esse terniiiinho.

Óbvio, não é? Mas as pessoas acham que o que elas fazem entre quatro paredes pode vir ao conhecimento de todos e que quem estiver incomodado que se mude. Não saber o que você faz não muda, você anunciando ou não, já o constrangimento e a possibilidade de as pessoas conversarem sobre o tema (para que muitos preconceitos sejam desfeitos, inclusive) modifica por causa da vulgaridade de alguns.

Para mim, certos tipos de exibição são feitas para reafirmar o indivíduo, a pessoa sente necessidade de 'dizer' o 'quanto ela é boa'. A partir do momento que a pessoa precisa convencer sobre o próprio valor, já há algo errado, ou não?