domingo, 8 de agosto de 2010

De Tragédias e Banalidades

A violência e a rapidez que arrebataram do nosso mundo o filho da querida atriz Cissa Guimarães há pouco mais de uma semana ressonaram fundo no coração de todos os que a conheciam, seja como atriz ou – imagino ainda mais – como família ou amiga. Apenas o pensamento sobre o que ela deve estar passando dói em nós, física e emocionalmente. Qualquer imagem na mídia relembra, aumenta e aprofunda nossa dor, assim nos irmanando a todos com ela, como pais, mães, amigos, e com todos os pais, mães e amigos que jamais perderam filhos ou entes amados.
Ontem a TV já anunciava que ela está de volta ao palco encenando sua peça.
Tenho muito medo de banalizarmos tudo, muito, muitas vezes. Somos chamados a reagir rápido a tudo, a fazer decisões importantes sem tempo de pensar direito, “compre agora porque este é o último item”; acabou o relacionamento?; “não chore, parta para outra porque a vida é curta”, os amigos nos encorajam. Sem dúvida bem intencionados, os que estão à nossa volta nos aconselham a reagir rápido, talvez até temendo também nos perder por conta da depressão que acompanha as perdas, por conta de nos afastarmos de tudo aquilo que nos lembra aquele(a) ou aquilo que se foi. E repetem “a vida é curta”.
Não sei se concordo com essa idéia de que a vida é curta. Como brasileiros somos um povo muito espiritualizados, e acreditamos na permanência no mínimo da alma, alguns do espírito que na verdade somos, após o corte com os vínculos da vida física. Quer dizer, permanecemos, numa longa vida espiritual além dessa vida terrena, para aprendermos o que precisarmos aprender, ajudar no que pudermos ajudar, crescer no que formos chamados a crescer, para nos aproximarmos, algum dia, daqui a algum tempo, da perfeição divina que precisamos buscar. Então não sei se podemos dizer que a vida é curta. Quantas vezes temos muito tempo, e um tempo que fica bastante longo, quando nos arrependemos de algo que fizemos; ou temos que sofrer dores que não esperávamos; ou perdemos um ente amado para a morte ou para outrem. Não são tempos curtos, não. A vida, definitivamente, não é curta.
Outros bem intencionados nos dizem: “ninguém é insubstituível”. Será mesmo? Todos temos peças de reposição? Aquele sorriso único, aquele humor temperado por experiências juntos, aquelas frases (que dita em outros lábios não soam da mesma maneira), a risada, o entusiasmo ou a falta dele, o jeito de olhar, a garra, e até mesmo a preguiça simpática daqueles que amamos.... tudo isso é substituível? Difícil concordar. Não, as pessoas não são substituíveis, o que não significa que não possamos esquecê-las quando preciso, ou colocar sua memória naquele lugar administrável do nosso cérebro, onde as lembranças não nos machuquem tanto mais.
Mesmo em mais mundanas esferas: a roupa rasgou, aposentamos; o sapato estragou?, deixamos de lado; o aparelho quebrou?, compramos outro. Muda a moda e nós mudamos junto, banais, temporários, esquecíveis.
Talvez possamos evoluir sem precisarmos deixar de ser relevantes, cuidadosos, atenciosos com nossos sentimentos e com os dos outros. Ser moderno, ou ser contemporâneo, não significa ser indolor, nem pisar nos nossos corações quando machucadinhos. Faz parte de nossa humanidade o pensar, considerar, aprender com o que ou quem passou; dar um tempo para reflexão, para resolver e acatar a dor; para superá-la. Não precisamos sair correndo loucamente atrás de uma vida curta para esquecer pessoas substituíveis. Talvez, vale considerar, essas experiências doídas nos ajudem a crescer, se conseguirmos, se tivermos tempo de achar a lição nela. Podemos perder algo ou alguém, mas vamos tentar não perder a lição ou a cabeça.
Sabendo que a vida é longa, e seus acontecimentos não são banais, deposito aqui todo o meu respeito pela dor de quantos experimentam perdas tão dramáticas quanto Cissa, e todo o meu respeito pela maneira com que cada um vive sua dor.

2 comentários:

  1. Ana,

    Interessante seu posicionamento, de fato, a vida não é curto, sobretudo quando a gente pensa em vários momentos que passam se arrastando.

    É, essa coisa de aproveito o momento é complicada, você me fez pensar em algumas coisas.

    obrigada!

    =*

    ResponderExcluir
  2. É verdade.
    Vivemos em tempos de banalização de muitas coisas. Do amor, da sexualidade, da falta de caráter, do errado em geral.

    Belo ponto de vista.

    ResponderExcluir

Como você vê?